28/07/2011

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"Não caibo nesta tarde que me desfolhas sobre o coração. Renovam-se-me sob os passos todos os caminhos e o dia é uma página que, lida e soletrada, descubro inatingível como o vento, a rua e a vida.
As mesmas mãos que antes desfraldavam domésticas insígnias abaixo dos beirais emprestam novos pássaros às árvores. Pétala a pétala chego à corola desta minha hora. Roubo o meu ser a qualquer outro tempo, não há em mim memória de alguma morte, em nenhum outro lugar me edifiquei.
Arredondas à minha volta os lábios para me dizer, recuo de repente àquele princípio que em tua boca tive.
Eu sei que só tu sabes o meu nome- tentar sabê-lo foi afinal o único esforço importante da minha vida.
Sinto-me olhado e não tenho mais ser que ser visto por ti. Há no meu ombro lugar para o teu cansaço e a minha altura é para ser medida palmo a palmo pela tua mão ferida."


Ruy Belo

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